Em abril de 2016 eu desembarquei na Gare d' Avignon (estação de trem) e um táxi me levou até um hotel de luxo localizado num vilarejo chamado Menerbes. As paisagens dessa corrida de táxi, da estação de trem até o hotel, nunca me saíram da memória, a Provence, uma das regiões mais lindas da França. Entre vilarejos históricos, casas de pedra, pinheiros, campos de lavanda, de girassol, roseiras, vinhedos e um céu impressionante, lá estava eu, chegando toda tímida para ser a confeiteira do restaurante desse hotel e sem saber o que me aguardava. Vamos voltar alguns dias atrás.
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Cozinha do restaurante, com esse cenário filme no fundo! |
Era uma segunda-feira, eu procurava um novo emprego em Paris, quando uma amiga me deu a dica de um site (Hotellerie Restauration) para procurar empregos em outras cidades da França. Enviei meu currículo para algumas ofertas de trabalho que achei interessante e no mesmo dia recebi uma ligação. Era um chef de um dos restaurantes, ele disse que tinha recebido meu currículo, se interessou e marcou uma entrevista pelo telefone para o dia seguinte de manhã. Para quem não conhece esse meio, todas as vezes que eu fui fazer uma entrevista depois tinha um dia de teste, no qual eu trabalhava e o chef podia conhecer mais do meu trabalho. Nesse caso eu estava a mais de 500 km de distância e um teste ao vivo seria impossível.
No dia seguinte às 10h da manhã o chef me ligou, se apresentou e me fez 1 pergunta “o que você procura?”, em resumo eu respondi que procurava um trabalho com confeiteira em um restaurante e era capaz de criar e produzir muitos doces. O chef respondeu, ok eu vou te enviar o contrato de trabalho por e-mail e você pode começar sexta-feira? Isso era uma terça-feira. E como eu sou do tipo de tomar a decisão e so depois pensar sobre, eu respondi “é claro”!
Desliguei o telefone e me desesperei, eu estava em Paris e devia fazer minha mala e mudar para uma cidade minúscula a 500 km dali em 3 dias! A primeira coisa que eu fiz foi pesquisar na internet sobre o restaurante e a região em que eu ia trabalhar, se você quiser ver com seus próprios olhos, clica aqui. As fotos do lugar eram maravilhosas, então uma voz na minha cabeça me falava, “vai e se o trabalho for ruim pelo menos o local é maravilhoso”. E não me decepcionei quando cheguei, era mais lindo ao vivo do que nas fotos.
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A área externa do restaurante com vista para as vinhas |
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No outono quando o verde se mistura com o amarelo e o vermelho das folhas |
Como eu morava na casa de uma amiga, eu não tinha móveis nem nada, só minhas roupas, então fui fazer as malas, comprar a passagem de trem e embarcar na aventura. Cheguei numa quinta as 15h e fui na cozinha me apresentar ao chef, ele me apresentou dois colegas de trabalho e o meu espaço de trabalho. Era uma cozinha com uma porta de vidro para a sala do restaurante, ela tinha paredes de pedra, bem característico da Provence, um piano (forno de restaurantes) bem no meio, dos dois lados bancadas de trabalho e panelas de cobre penduradas em cima das duas bancadas, sem dúvidas a cozinha mais charmosa que eu já tinha visto. O que não significa que era prática para trabalhar, e isso fui descobrir mais tarde.
O chef me deixou descansar naquela noite e falou que eu começaria no dia seguinte às 16h para preparar as sobremesas do jantar. O jantar era para 30 a 35 pessoas no máximo, como fazia parte de um menu eram só 2 tipos de sobremesa por dia, mas todo dia eu tinha que mudar e criar 2 sobremesas diferentes. Como o jantar começava entre 19:30 / 20h, as primeiras sobremesas começavam a sair a partir das 21h. Fiz as contas e cheguei a conclusão que no meu primeiro dia eu tinha 4 horas para fazer 40 sobremesas (é sempre bom ter um pouco a mais) e ficar pronta para enviá-las assim que o cliente comanda. E para completar eu tinha que começar do zero. Nessa hora eu pensei “o que eu to fazendo aqui?”
Eu sempre fui boa em entrevista, porque eu sei mais ou menos o que tem que falar, como tem que agir, nesse caso eu passei a imagem de uma confeiteira profissional e super confiante para o chef, mas comigo mesma eu não era tão autoconfiante assim e me sentia zero capaz de executar essa tarefa. Fora que eu cheguei sem nenhuma receita minha, eu era acostumada a reproduzir as receitas dos chefs nos trabalhos anteriores, agora era tudo diferente.
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Eu trabalhando feliz, porque era cansativo, mas também muito gostoso |
O primeiro dia de trabalho é sempre estressante, a gente tem essa pressão de ter que ser boa de mostrar que a pessoa teve razão em te contratar, e eu sou extremamente ansiosa e exigente. Além disso, chegar numa cozinha nova onde você mal sabe onde ficam os utensílios, ingredientes e equipamentos, sob os olhares dos outros cozinheiros que já se conheciam e estavam acostumados com aquele local, foi um desafio enorme. Mas se por dentro eu sou a ansiosa estressada e com medo, por fora eu sou a auto confiante e segura de si que não deixa ninguém perceber o turbilhão interno.
Não foi premeditado, mas na sexta-feira às 16h cheguei na cozinha, falei bonjour ao chef e da minha boca saiu algo do tipo, “como hoje é o primeiro dia, eu queria conhecer um pouco mais do estilo de sobremesa que vocês estão acostumados, você tem alguma referência das sobremesas anteriores para me passar?”. E ele me deu um caderno com algumas receitas do antigo confeiteiro e disse que eu podia ficar a vontade para eu fazer algo dali até me acostumar com estilo do restaurante. Nessa hora veio um alívio, eu percebi que o chef sabia que tinha contratado uma confeiteira iniciante, que estava ansiosa no primeiro dia. Ele não esperava que eu fosse a confeiteira de mil estrelas Michelin.
Depois de entender isso eu relaxei e nem me lembro ao certo o que eu fiz de sobremesa, o que eu lembro é que deu tudo certo e a noite foi tranquila, eu enviei todas as sobremesas e tive bons retornos. No dia seguinte eu já tinha um pouco mais de confiança para fazer o meu trabalho. É claro que não foram todos os dias assim e tive muitos momentos difíceis e dias em que tudo deu errado, mas isso é assunto para um próximo post!