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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Macarons de Saint Émilion

Saint Émilion é um vilarejo do Sudoeste da França, muito famoso por ser localizado numa região bem conhecida por seus vinhos. Mas a fama de Saint Émilion não vem apenas dos bons vinhos, a cidade também foi durante muito tempo destino de fiéis que faziam a peregrinação até a vila, onde se encontrava uma das igrejas mais impressionantes da Europa.


A cidade de Saint Emilion vista do alto da igreja de pedra

A igreja é subterrânea, construída sem nenhum tijolo, porque foi totalmente esculpida na rocha calcária presente na região. O fato de ser uma igreja escura e apenas um feixe de luz no fim, depois de uma longa caminhada na escuridão, fazia com que os fiéis realmente achassem que estavam vendo a luz divina.


Essa pequena introdução histórica foi apenas para explicar porque a cidade era cheia de monastérios e conventos. E foi num desses conventos que nasceu o docinho mais famoso da cidade, o macaron de Saint Emilion.


Macarons de Saint Emilion

Você provavelmente está acostumado com macarons, lisinhos e recheados, esse porém é bem diferente. É uma receita de mais de 400 anos e que permanece ainda em segredo, a receita é passada em sigilo de geração a geração até hoje. A detentora atual da receita e da loja se chama Nadia Fermigier, ela manteve não só a tradição da receita , mas também a embalagem como antigamente. Os ingredientes são conhecidos (claras, açúcar e amêndoas), mas o processo e as quantidades só a proprietária da receita é quem sabe. Dizem que o segredo é a combinação de amêndoas doces e amargas (sempre torradas) processadas com açúcar (em hipótese alguma açúcar de confeiteiro). Outro detalhe é que são vendidos no mesmo papel em que são assados e só são descolados no momento do consumo. Ja conhecia?

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Pêche Melba

Hoje é sexta-feira e para comemorar tem receita! Aqui na França está na temporada de pêssegos e outro dia quando fui a feira eles estavam tão cheirosos que acabei comprando alguns. Eu fui prepará-los e pensei em fazer uma sopa de pêssegos, quando trabalhei na Provence eu fazia muita sopa de frutas para o verão, por ser uma sobremesa bem fresca.

O que eu não imaginei é que o que a princípio eu achei que fosse uma sopa de frutas acabou virando pêssegos em calda, muito menos doce e mais gostoso que os industrializados. Depois eu pensei em fazer uma panna cotta para acompanhar esses pêssegos, no final lembrei de uma sobremesa famosa chamada Pêche Melba e optei por ela. Pêche significa pêssego em francês e Melba é uma cantora de ópera que foi homenageada na criação dessa sobremesa.


Apesar do original usar pêssegos e framboesa como as frutas, hoje em dia você encontra variações desta sobremesa com outras frutas. Uma combinação que também adoro é a de abacaxi no lugar do pêssego ou mesmo morangos, uma delícia, não?


Então anote a receita e se fizer me conte o que achou!


peche melba
Uma maneira de servir a sobremesa.

Pêche Melba - para 4 pessoas


Ingredientes


Pêssegos em calda

- 2 pêssegos

- 50g de açúcar (para calda)

- 200ml de água (para calda)


Coulis de framboesas

- 200g de polpa de framboesas congeladas

- 80g de açúcar (para coulis)


Para finalizar:

- 400g de sorvete de baunilha


Preparo


Pêssegos em calda

1) Primeiro retire a pele dos pêssegos, para isso coloque para ferver 1 panela com água o suficiente para cobrir as frutas. Assim que a água ferver, coloque os pêssegos e deixe por 1 min. Retire os pêssegos da panela e passe na água bem gelada para não cozinharem. Depois é só descascar com ajuda de uma faca, a pele vai sair facilmente.

2) Em outra panela misture os 200ml de água com o açúcar e leve para ferver.

3) Enquanto isso corte os pêssegos em fatias, primeiro divida o pêssego em 4 e cada 1/4 de fruta em mais 4, no total 1 pêssego em 16 fatias.

4) Coloque as fatias na calda de açúcar e deixe ferver por 10 minutos. Em seguida, deixe esfriar e depois leve à geladeira por mais 6 horas.


Coulis de framboesas

1) Em uma panela coloque a polpa de framboesas e o açúcar, leve a fogo baixo para a polpa derreter e o açúcar dissolver

2) Assim que ferver, retire do fogo, misture e deixe esfriar.


Finalização

Essa é uma sobremesa que deve ser finalizada na hora por conta do sorvete. Escolha uma taça ou prato onde queira servir.

Primeiro disponha os pêssegos, em seguida o sorvete e finalize com a calda.

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Meu primeiro dia de trabalho

 Em abril de 2016 eu desembarquei na Gare d' Avignon (estação de trem) e um táxi me levou até um hotel de luxo localizado num vilarejo chamado Menerbes. As paisagens dessa corrida de táxi, da estação de trem até o hotel, nunca me saíram da memória, a Provence, uma das regiões mais lindas da França. Entre vilarejos históricos, casas de pedra, pinheiros, campos de lavanda, de girassol, roseiras, vinhedos e um céu impressionante, lá estava eu, chegando toda tímida para ser a confeiteira do restaurante desse hotel e sem saber o que me aguardava. Vamos voltar alguns dias atrás.

Cozinha do restaurante, com esse cenário filme no fundo!

Era uma segunda-feira, eu procurava um novo emprego em Paris, quando uma amiga me deu a dica de um site (Hotellerie Restauration) para procurar empregos em outras cidades da França. Enviei meu currículo para algumas ofertas de trabalho que achei  interessante e no mesmo dia recebi uma ligação. Era um chef de um dos restaurantes, ele disse que tinha recebido meu currículo, se interessou e marcou uma entrevista pelo telefone para o dia seguinte de manhã. Para quem não conhece esse meio, todas as vezes que eu fui fazer uma entrevista depois tinha um dia de teste, no qual eu trabalhava e o chef podia conhecer mais do meu trabalho. Nesse caso eu estava a mais de 500 km de distância e um teste ao vivo seria impossível.

No dia seguinte às 10h da manhã o chef me ligou, se apresentou e me fez 1 pergunta “o que você procura?”, em resumo eu respondi que procurava um trabalho com confeiteira em um restaurante e era capaz de criar e produzir muitos doces. O chef respondeu, ok eu vou te enviar o contrato de trabalho por e-mail e você pode começar sexta-feira? Isso era uma terça-feira. E como eu sou do tipo de tomar a decisão e so depois pensar sobre, eu respondi “é claro”!

Desliguei o telefone e me desesperei, eu estava em Paris e devia fazer minha mala e mudar para uma cidade minúscula a 500 km dali em 3 dias! A primeira coisa que eu fiz foi  pesquisar na internet sobre o restaurante e a região em que eu ia trabalhar, se você quiser ver com seus próprios olhos, clica aqui. As fotos do lugar eram maravilhosas, então uma voz na minha cabeça me falava, “vai e se o trabalho for ruim pelo menos o local é maravilhoso”. E não me decepcionei quando cheguei, era mais lindo ao vivo do que nas fotos.

A área externa do restaurante com vista para as vinhas

No outono quando o verde se mistura com o amarelo e o vermelho das folhas

Como eu morava na casa de uma amiga, eu não tinha móveis nem nada, só minhas roupas, então fui fazer as malas, comprar a passagem de trem e embarcar na aventura. Cheguei numa quinta as 15h e fui na cozinha me apresentar ao chef, ele me apresentou dois colegas de trabalho e o meu espaço de trabalho. Era uma cozinha com uma porta de vidro para a sala do restaurante, ela tinha paredes de pedra, bem característico da Provence, um piano (forno de restaurantes) bem no meio, dos dois lados bancadas de trabalho e panelas de cobre penduradas em cima das duas bancadas, sem dúvidas a cozinha mais charmosa que eu já tinha visto. O que não significa que era prática para trabalhar, e isso fui descobrir mais tarde.

O chef me deixou descansar naquela noite e falou que eu começaria no dia seguinte às 16h para preparar as sobremesas do jantar. O jantar era para 30 a 35 pessoas no máximo, como fazia parte de um menu eram só 2 tipos de sobremesa por dia, mas todo dia eu tinha que mudar e criar 2 sobremesas diferentes. Como o jantar começava entre 19:30 / 20h, as primeiras sobremesas começavam a sair a partir das 21h. Fiz as contas e cheguei a conclusão que no meu primeiro dia eu tinha 4 horas para fazer 40 sobremesas (é sempre bom ter um pouco a mais) e ficar pronta para enviá-las assim que o cliente comanda. E para completar eu tinha que começar do zero. Nessa hora eu pensei “o que eu to fazendo aqui?”

Eu sempre fui boa em entrevista, porque eu sei mais ou menos o que tem que falar, como tem que agir, nesse caso eu passei a imagem de uma confeiteira profissional e super confiante para o chef, mas comigo mesma eu não era tão autoconfiante assim e me sentia zero capaz de executar essa tarefa. Fora que eu cheguei sem nenhuma receita minha, eu era acostumada a reproduzir as receitas dos chefs nos trabalhos anteriores, agora era tudo diferente.

Eu trabalhando feliz, porque era cansativo, mas também muito gostoso

O primeiro dia de trabalho é sempre estressante, a gente tem essa pressão de ter que ser boa de mostrar que a pessoa teve razão em te contratar, e eu sou extremamente ansiosa e exigente. Além disso, chegar numa cozinha nova onde você mal sabe onde ficam os utensílios, ingredientes e equipamentos, sob os olhares dos outros cozinheiros que já se conheciam e estavam acostumados com aquele local, foi um desafio enorme. Mas se por dentro eu sou a ansiosa estressada e com medo, por fora eu sou a auto confiante e segura de si que não deixa ninguém perceber o turbilhão interno.

Não foi premeditado, mas na sexta-feira às 16h cheguei na cozinha, falei bonjour ao chef e da minha boca saiu algo do tipo, “como hoje é o primeiro dia, eu queria conhecer um pouco mais do estilo de sobremesa que vocês estão acostumados, você tem alguma referência das sobremesas anteriores para me passar?”. E ele me deu um caderno com algumas receitas do antigo confeiteiro e disse que eu podia ficar a vontade para eu fazer algo dali até me acostumar com estilo do restaurante. Nessa hora veio um alívio, eu percebi que o chef sabia que tinha contratado uma confeiteira iniciante, que estava ansiosa no primeiro dia. Ele não esperava que eu fosse a confeiteira de mil estrelas Michelin.

Depois de entender isso eu relaxei e nem me lembro ao certo o que eu fiz de sobremesa, o que eu lembro é que deu tudo certo e a noite foi tranquila, eu enviei todas as sobremesas e tive bons retornos. No dia seguinte eu já tinha um pouco mais de confiança para fazer o meu trabalho. É claro que não foram todos os dias assim e tive muitos momentos difíceis e dias em que tudo deu errado, mas isso é assunto para um próximo post!



terça-feira, 26 de julho de 2022

A origem do biscoito (bis-cuit)

É biscoito ou bolacha? Até eu começar a estudar confeitaria eu sempre chamei de bolacha, quando criança era bolacha de chocolate, bolacha passatempo, bolacha trakinas entre outras que você também deve lembrar!

Biscoito tipo rocher de coco com chocolate e biscoitos diamand de ervas secas

Quando vim para a França e comecei a falar francês isso mudou, aqui só tem uma palavra para isso, biscuit, assim sem perceber mudei a maneira de falar até em português, e o que era bolacha virou biscoito. 

O biscoito que eu conhecia recheado, virou um mundo de possibilidades. Esse tipo de docinho seco e crocante me conquista cada vez mais, pode ser doce e até salgado, com recheio ou nada, bem crocante e saboroso. Ainda mais no meu caso, que moro em um país com uma cultura gastronômica muito forte e milhares de tipos de biscoitos. Cada região tem um ou mais biscoitos tradicionais e toda a história por trás de cada um, o que diz muito sobre os produtos disponíveis na época e a maneira de viver.

Em francês a palavra para biscoito é “biscuit”, se a gente separar, “bis” significa duas vezes e “cuit” significa assar, ou seja, assado duas vezes! E por isso tão importante a textura crocante e sequinha. 

O duplo cozimento do biscoito era feito nos fornos de pães, uma maneira de aproveitar o calor remanescente depois que os pães eram assados e o forno desligado. Hoje em dia é mais comum assar uma vez só, principalmente quando fazemos em casa. Porém, na França, alguns biscoitos para receberem seu nome tradicional, como o biscuit rose de Reims, devem ser assados em dois tempos, como antigamente.

Indícios da existência de algo tipo biscoito já foram encontradas mesmo no tempo neolítico, quando o homem já assava a farinha. O biscoito com as características mais próximas do que conhecemos hoje surgiu na idade média, e sua característica de ser assado duas vezes permitia uma maior durabilidade face ao pão. Dessa característica vem o hábito de molhar o biscoito no café, chá e até no vinho para amolecer e ter uma mordida mais agradável.

Em seguida foram adicionados na massa de alguns tipos de biscoitos, mais ovos e menos farinha, e assim eles ficaram mais macios. Um exemplo desse tipo é o biscuit cuillère, que conhecemos como biscoito champagne, e foi criado por um pâtissier francês no final do séc. XVIII.

O mais interessante é que apesar da evolução dos biscoitos e suas variações ao longo do tempo é um alimento que resta bem fiel a suas origens. Se você tem como destino a França em uma próxima viagem eu te aconselho ir a um supermercado normal e descobrir a variedade de biscoitos com o nome de cada região. A minha marca preferida para experimentar algo novo é a Reflets de France. Depois me conta o que achou!


segunda-feira, 25 de julho de 2022

Bem vindos a um blog de gastronomia sem receitas!

Será que isso é possível ?

Desde que comecei a fazer conteúdo para as redes sociais uma coisa sempre me incomodou, logo que posto uma comida que fiz ou que provei, recebo várias mensagens: “tem receita?” 

Isso muitas vezes me bloqueou, pensava que se não fosse para postar a receita não valeria a pena passar a informação. E durante muito tempo achei que para ter minha presença no universo da gastronomia das redes sociais eu precisaria produzir uma quantidade infinita de receitas.

Depois de algum tempo cansei, desisti e pensei: “isso simplesmente não é para mim.” E passei muito tempo longe das redes sociais, sem pensar em produzir, eu só compartilhava, de vez em quando, um pouco do que vivia.

Esse tempo longe teve várias etapas, primeiro pensei que era o fim da minha carreira na gastronomia (sem ser dramática, eu realmente achei que não era mais possível trabalhar na área), on line e off line. Além disso, não tinha mais aquela satisfação e a chama que me movia para criar algo novo. Rejeitei todo o tipo de conteúdo de gastronomia e fui me dedicar a outras coisas que gostava, bordar por exemplo. E no trabalho procurei uma área completamente diferente.

Apesar de parar para pensar sobre minha carreira, nunca deixei de apreciar boa comida.
Paris, março de 2022


Essa distância foi importante, como diz o ditado, a gente precisa sair da ilha para enxergar a ilha. Nesse tempo eu me respeitei, me ouvi e comecei a entender quem eu sou nesse universo da gastronomia. Primeiro eu descobri quem eu não sou : “eu não sou a influencer que busca o maior número de likes e views vazios”. Eu sei que se eu fizer um vídeo do chocolate escorrendo ele vai ter muito likes, mas o que ele vai agregar para quem ver? Como ele vai tocar a vida de alguém e fazer a diferença, por mais simples que seja?

E foi aí que eu descobri que eu gosto de influenciar mais profundamente as pessoas, tocar no sentimento que a comida provoca, melhorar sua relação com o alimento, apreciar uma sobremesa, preparar com carinho, saber selecionar os ingredientes, saber a história por trás da origem daquele alimento, a cultura. Essas e outras informações que eu acho que podem mudar realmente a vida de uma pessoa. Aqui não está incluso querer salvar o mundo, mas se eu te ajudar a fazer um doce, te reviver uma história em torno de um alimento, descobrir um novo sabor, e isso melhorar o seu dia, eu já cumpri o meu dever.

O desafio depois de descobrir isso foi ver as redes sociais invadidas por vídeos que pregam exatamente o contrário. No primeiro momento eu pensei, “é hora de desistir, eu não tenho meu espaço nesse novo modelo”. No segundo momento eu pensei, “não é hora de desistir, é hora de transformar, é hora de ajudar quem está tão cansado desse modelo como eu”. Foi assim que veio a ideia de voltar com o blog!

O blog ele me permite não apenas compartilhar meu pensamentos e conhecimentos, mas também aprender mais, ir atrás de um novo assunto, gerar uma nova discussão e instigar a curiosidade minha e de vocês. É por isso um blog de comida e sem receita! 

É claro que uma receita ou outra pode aparecer por aqui, isso não é proibido! Mas ela só vai aparecer quando tiver algo interessante a passar sobre ela e não apenas uma lista de ingredientes e passo a passo. E também acredito que podemos aprender muito sobre cozinhar sem ter a receita.

Se vocês estão dispostos a ler minhas histórias, o pouco que sei e vivi na gastronomia, te convido a voltar sempre por aqui!